sábado, 14 de novembro de 2009

Porquê Deus se Esconde?


O que levaria Deus a evitar o contato humano como se tivesse algo a temer? Como um ser infinitamente inteligente, extremamente racional, criador de um universo que obedece às rígidas leis da física e a complexas fórmulas matemáticas, estabelece o instinto da fé e ignora a razão para fazer-se conhecido? Às vezes até o cristão mais ortodoxo fica perplexo acerca dos métodos que Deus utiliza para se relacionar com o homem, através de presságios, sinais, visões, sonhos e sentimentos diversos. Praticamente todas as pessoas que acreditam na existência de Deus gostariam de um contato pessoal com ele. Seria, portanto, natural que Deus concedesse a oportunidade de se comunicar de forma transparente com cada um que nele crê, como um amigo – ou até mesmo um inimigo – que se senta à mesa para tomar alguma coisa e conversar sobre a vida. Dizem que nossos pecados, fragilidade e limitações não nos permitem comunicação direta com Deus, como se ele pudesse ser contaminado mortalmente pelo pecado humano ou não conseguisse ser brando de tal forma a não eliminar suas criaturas durante um encontro. Mas se isso for verdade, então se faz necessário rever o conceito de onipotência divina.

Por que Deus necessita de alguns intermediários humanos para se comunicar com outros também humanos? É possível que os pregadores, profetas e sacerdotes, tanto os atuais quanto os do passado, sejam exemplos de pessoas de mente fértil que interpretam equivocadamente manifestações naturais como se fossem ações do ser divino que sinceramente crêem. Há casos de pessoas esquizofrênicas, atormentadas por visões e “contatos” com Deus e seres “espirituais”, que são curadas pela medicina com medicamentos, seções psiquiátricas e, até mesmo, por extração de tumor cerebral. O cérebro humano, apesar de extremamente desenvolvido, é um projeto natural inacabado, um órgão complexo e vulnerável, com falhas de percepção e de processamento de informação que podem causar má interpretação de ocorrências naturais como se fossem sobrenaturais.
Durante milênios os representantes das religiões compilaram explicações de difícil constatação da verdade que transferem a culpa da falta de manifestação de Deus aos que, mesmo crendo, sabem diferenciar realidade de imaginação. “Quem está em pecado não pode ter comunhão com Deus, quem duvida não pode ver nem sentir Deus” são exemplos de sofismas que confundem e evitam questionamentos de pessoas com dúvidas sinceras. Outra forma eficiente de evitar contestações é deslocar a manifestação divina no tempo, ou para um futuro distante, onde todos estarão mortos e não poderão constatar o blefe, ou para o passado, baseando os discursos religiosos em autoridades e histórias que ninguém da atualidade pode confirmar a veracidade por não ter presenciado.
A maioria das pessoas não entende que sua fé é baseada em mitos religiosos primitivos registrados por homens cujo conhecimento adquirido por toda a vida não ultrapassava a informação da edição de um jornal de fim de semana dos dias de hoje. Tais homens não sabiam que andavam sobre um planeta, que o ar não é sobrenatural, que as estrelas não estão grudadas no céu nem que o céu não é sustentado por colunas sobre a terra, não entendiam as manifestações da natureza, como a ação solar, a força do mar, a origem da vida, as causas dos terremotos, secas e fome, interpretando-as erroneamente como ações divinas. Nenhum tinha conhecimento dos agentes patológicos das doenças e as consideravam espirituais, acusando de pecado e atormentando pessoas inocentes que sofriam acometidas de enfermidades incuráveis para a época. Muitos deles praticavam o celibato e sequer conheciam a anatomia de um corpo feminino adulto, mas arrogavam ser orientadores sexuais e educadores de filhos alheios, submetendo principalmente as mulheres às mais vis discriminações.
A razão é incômoda e implacável para com mitos e ilusões, por isso muitos que amam suas ilusões rejeitam sua própria razão tornando-a submissa à fé que – longe do status adquirido no meio religioso – é apenas uma crença que não exige provas, fruto do desejo natural e instintivo de soluções que não demandam altos custos nem exercício mental. Às religiões e seus deuses – incluso Javé – são creditadas soluções para todas as mazelas humanas, mas na prática são freqüentes as falhas na solução dos mais simples problemas. Por exemplo, na área da saúde, quando milagres são apresentados, geralmente trata-se de doenças internas, fáceis de serem fraudadas e de difícil diagnóstico e constatação da cura. Nunca há casos de cura de paralisia infantil ou recuperação de membro amputado, situações difíceis de serem fraudadas por serem externas e de incontestável visualização. No entanto estas entidades são eficientes para arrebanhar pessoas incautas, psicológica e emocionalmente fragilizadas, algumas desesperadas em busca de solução imediata para seus sofrimentos. Entretanto existem pessoas dispostas a investigar que, mesmo tendo um dia se submetido à fé, acolheram a razão, perderam o medo e, dando um passo além, entenderam a proposta da ciência acerca de sua ingênua crença de outrora. A ciência, cuja base é a razão, embora não arrogue solução nem explicação para tudo, se mostra eficiente na solução de muitos problemas complexos que afligem a humanidade, como em relação ao câncer e inúmeras outras doenças, apresentando prevenção, tratamentos, remédios e vacinas, enxugando ou evitando as lágrimas de bilhões de pessoas, inclusive crentes, sem lhes exigir fé.
Criadores de Deus, seguidores e líderes religiosos, como o reformador Martinho Lutero que declava que a razão deveria ser erradicada do meio cristão, o escondem em um mundo imaginário. Como tutores, temendo pela integridade de uma criança, adicionam a Deus poderes infinitos quando são demonstradas suas falhas; exaltam sua suposta atuação no passado e suas promessas para um futuro incerto quando sua omissão presente é evidenciada; declaram-no senhor de tudo quando se percebe sua manipulação, como um fantoche, por gente mal intencionada que manipula a massa; transformam-no em substância espiritual quando é demonstrado que não tem lugar na realidade. Ou seja, a cada revelação de sua fragilidade, Deus é desesperadamente removido por seus inventores para as trevas de um novo esconderijo que o proteja de ser pulverizado à luz da razão.
Fonte:O Bom Herege - razão, fé, ciência e religião